Por trás da minha casa havia a praia, o mundo em que eu havia de arranjar este sarilho de ser futebolista. Eu gostava muito da minha casa e de um pinheiro muito verde que eu plantara quando era muito mais miúdo ainda e viera há menos tempo de Luanda – a terra em que nasci.
Meu pai morrera.
Minha mãe criava-me com todo o carinho e eu palmilhava todos os dias o caminho da escola, sacola ao tiracolo. Era um aluno aplicado, gostava de estudar! Mas, claro, o recreio, as horas de chilreada, felizes e alegres daqueles tempos, eram a minha “perdição”. E a bola – a mágica bolinha – apareceu. Que tardes no areal da praia!
Viram-me mexer na borracha e… nada feito, porque a minha mãe achava-me menino fraco demais para aquelas andanças. Viria a começar tarde. Só aos 15 anos ela me deixou calçar pela primeira vez umas botas de futebol.
E eu apareci, de repente, sem mais aquelas, a jogar na equipa do Lusitano Sports Clube.
Mas, nessa altura, eu tinha arranjado outros amores…
Gostava imenso de estar na praia, com a minha irmã e mais três ou quatro raparigas, numa brincadeira de nunca mais acabar. Nasceram-me os primeiros e tímidos pêlos da cara…
Arrefecera o meu entusiasmo pela bola. E era um grande entusiasta do futebol, mas para ver jogar e só ver, simplesmente...
Com 17 anos comecei a trabalhar num escritório – o primeiro emprego da minha vida. O meu chefe era o vice-presidente do Lusitano Sports Clube e eu “devia” jogar todos os Domingos. Mas fizera-me “cábula” da bola e, dos dezasseis jogos do campeonato, não alinhava em mais de cinco ou seis. Às segundas-feiras, o meu chefe ralhava-me – eu faltara mais uma vez… Até que…
O Benfica visitou o Lobito!
Eu andava triste nessa altura e o sonho que desde muito novo acalentava – visitar Lisboa – fazia-me um “roi-roi” no peito. Joguei e… agradei.
Depois da morte da minha mãe a minha terra já não tinha para mim o ambiente feliz dos meus primeiros tempos. Havia a dor e a saudade no meu peito, que seriam a razão definitiva do salto que eu ia dar.
E vim para Lisboa.
A minha disposição era de estar aqui um ou dois anos – eu não me habituara à ideia de que podia fazer vida como jogador de futebol… O que depois se passou já toda a gente sabe. Cá estou…”
artigo assinado por José Águas e escrito em 1951